Ao sugerirem temas, os professores podem seguir dois critérios diferentes: indicar um tema que conheçam muito bem e no qual poderão facilmente seguir o aluno, ou indicar um tema que não conheçam suficientemente bem e sobre o qual quereriam saber mais.
Diga-se desde já que, contrariamente ao que se possa pensar à primeira vista, o segundo critério é o mais honesto e generoso. O docente considera que, ao acompanhar essa tese, ele próprio será levado a alargar os seus horizontes, pois se quiser avaliar bem o estudante e ajudá-lo durante o trabalho, terá de debruçar-se sobre algo de novo. Geralmente, quando o docente escolhe esta segunda via é porque confia no candidato. E normalmente diz-lhe explicitamente que o tema também é novo para ele e que lhe interessa aprofundá-lo. Há, por outro lado, docentes que se recusam a propor teses sobre campos já muito batidos, embora a situação atual da universidade de massas contribua para moderar o rigor de muitos e para os tornar mais compreensivos.
Há, porém, casos específicos em que o docente está a fazer um trabalho de grande fôlego para o qual tem necessidade de muitos dados, e decide utilizar os candidatos como participantes de um trabalho de equipa. Ou seja, durante um dado número de anos. Ele orienta as teses num determinado sentido.
Se for um economista interessado na situação da indústria num certo período, orientará teses relativas a sectores particulares, com o objetivo de estabelecer um quadro completo da questão. Ora este critério é não só legítimo como cientificamente útil: o trabalho de tese contribui para uma investigação de alcance mais amplo no interesse coletivo. E isso é útil mesmo do ponto de vista didático, pois o candidato poderá servir-se dos conselhos de um docente muito informado sobre o assunto e poderá utilizar como material de fundo e de comparação as teses já elaboradas por outros estudantes sobre lemas correlativos e limítrofes. Se, depois, o candidato fizer um bom trabalho, poderá esperar uma publicação, pelo menos parcial, dos seus resultados, eventualmente no âmbito de uma obra coletiva. Há, porém, alguns inconvenientes possíveis:
1. O docente está muito ligado ao seu lema e força o aluno que, por seu lado, não tem nenhum interesse naquela direção. O estudante torna-se então um aguadeiro, que se limita a recolher afadigadamente material que depois outros irão interpretar. Como a sua tese será uma tese modesta, sucede que depois p docente, ao elaborar o estudo definitivo, poderá utilizar uma parte do material recolhido, mas não citará o estudante, até porque não se lhe pode atribuir nenhuma ideia precisa.
2. O docente é desonesto, faz trabalhar os estudantes, aprova-os e utiliza desabusadamente o seu trabalho como se fosse dele. Por vezes, trata-se de uma desonestidade quase de boa-fé: o docente acompanhou a tese apaixonadamente, sugeriu muitas idéias e, passado um certo tempo, já não distingue as ideias que sugeriu das que foram trazidas pelo estudante, assim como depois de uma apaixonada discussão coletiva sobre um assunto qualquer, já não conseguimos lembrar-nos de quais as idéias com que havíamos começado e quais as que adquirimos por estímulo alheio.
Como evitar estes inconvenientes? O estudante, ao abordar um determinado docente, já terá ouvido falar dele aos seus amigos, terá contactado licenciados anteriores e terá feito uma ideia da sua correção. Terá lido livros seus e terá reparado se ele cita freqüentemente os seus colaboradores ou não. Quanto ao resto, intervém valores imponderáveis de estima e confiança.
Também é preciso não cair na atitude neurótica de sinal contrário e considerarmo-nos plagiados sempre que alguém fala de temas semelhantes aos da nossa tese. Quem fez uma tese. digamos, sobre as relações entre o darwinismo e o lamarckismo. teve oportunidade de ver, acompanhando a literatura crítica, quantas pessoas falaram já desse tema e como há tantas idéias comuns a todos os estudiosos.Deste modo, não vejo razão para se sentir um gênio expoliado se, algum tempo depois, o docente, um seu assistente ou um colega se ocuparem do mesmo tema.
Por roubo de trabalho científico entende-se, sim, a utilização de dados experimentais que só podiam ter sido recolhidos fazendo essa dada experiência: a apropriação da transcrição de manuscritos raros que nunca tivessem sido transcritos antes do nosso trabalho: a utilização de dados estatísticos que ninguém tenha recolhido antes de nós, e só na condição de a fonte não ser citada (pois, uma vez a tese tornada pública, toda a gente tem o direito de a citar): a utilização de traduções, feitas por nós, de textos que nunca tenham sido traduzidos ou o tenham sido de forma diferente.
De qualquer modo, e sem desenvolver síndromes paranoicos, o estudante deve verificar se, ao aceitar um tema de tese, fica ou não integrado num trabalho coletivo, e pensar se vale a pena fazê-lo.
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ECO, Umberto. Como se faz uma tese. - 21ª ed. - São Paulo: Perspectiva, 2008. - (Estudos; 85).